terça-feira, 31 de março de 2009

Se eu não tenho o meu amor, eu tenho a minha dor...

Tenho uma corrente amarrada ao meu corpo... Uma única corrente que laçada ao pescoço vai se desenrolando.
Pernas, mãos e língua...
E quem nunca se sentiu assim?
Impedida de prosseguir, de seguir, de chegar, se achegar, aconchegar...
'Inda' bem que é noite, mal podem ver meu desespero regado a sussurros.
A outra de mim está ali, do lado de fora, na contra-mão, fingindo sanidade.
Esta sou eu: Interna. Calada. Malfeita. Discreta. Hoje vencida, domada.
Uma tela na minha frente, mostrando um filme de um colorido tão intenso que me arde os olhos... E eu choro.
Reflexo dos lugares onde estive, dos carinhos que eu tive e dos sorrisos que eu dei.
Reflexos... Cruzo meus braços, defaço meus laços e choro...
Não sei qual rumo dali eu tomei, não sei.
A vida chega e dói, corta...
E foi na minha espontaneidade que fui pega.
Ora, mal sabia eu... Era proibido!
Era proibido ser feliz. Era proibido ficar ali.
Era proibido sentir dor ou amor... Era proibido.
Eu, fora da lei que sou, fui posta fora de todas as outras coisas
Fora das casas, fora das vidas e da lógica dos casais perfeitos.
Fora-da-lei.
Fora dos limites do certo e do errado.
Fora dos limites das noites mal dormidas.
Fora dos limites das dores escondidas...
Fora dos limites dos sorrisos estampados.
Fora dos limites das paixões.
Muito amor, extremo amor... Fora dos limites.

EU senti todas as coisas... vejo no filme que me obrigam a olhar.
Vivi todas as coisas... Como se fossem tudo. E o eram, para mim o eram.
O que para outros era um cotidiano dos finais de semana... Para mim, cada gesto era todos os gestos desse mundo.
Vivi o que toda gente vive... Mas pra mim foi a válvula. A exceção. A perfeição.
O experimento de uma vida que eu poderia ter, e que não era minha por não poder...
Senti tudo de todas as maneiras, vivi tudo de todos os lados.
Cometi todos os crimes.
E me julguem como necessário, não vou mais reagir.
Eu choro, do tanto que sorri.
E chamem Tiersen, Marradi e Chopin a velar minhas lágrimas que secam na areia deste chão.
Daqui vai nascer quem há de crescer.
Pois da dor há transformação.
Transfiguração.
Festejam a minha dor e lançem sorte do lençol que sobrou.
Coloquem uma fita azulada no que sobrar e joguem ao mar...

Do lado de fora, agora, vou para a cama com o souvenir dos sentimentos mais discretos, em cujo baixar de olhos há uma paisagem das colinas de um corpo há muito apreciado...
Deixo em cima da cômoda a intenção de um anel
E calo a minha boca, afogo-me na noite com o sono que, provavelmente, não há de vir.

10 comentários:

Ângelo disse...

Quantas vezes já me encontrei mergulhado em sensações parecidas.
O tudo que pra mim era como deviam ser feitas as coisas era o "tudo errado". O valor dos nossos esforços é somente nosso. Dói saber disso e quando ficamos sabendo já fomos expurgados de tudo que poderiamos ser, querer ou saber.

Muito bonita a sua forma de escrever.

Anônimo disse...

Cada vez que passo aqui me impressiono ainda mais, compartilho com você cada sentimento que saem de cada palavra e concordo que na dor há transformação, há vida querendo liberdade dessa dor que nos é causada sem esperarmos, sem querermos, mas que temos que aceitar tudo o que vem com ele, cada minuto, segundo, instante.
O que nos resta são justamente as noites, onde cada desejo vai ficando no perdido dos sonhos, que são esquecidos cada vez que acordamos, e que ficam para trás para existir uma novo começo.

Anônimo disse...

Texto tão profundo e tão simples de ler... Adoro teu estilo de escrita.
Grande Beijo.

As@ Moren@ disse...

Milla, vc se supera incrivelmente e cada novo post...amei a sua forma de descrever essa sensação de exclusão, de solidão...parabéns!!! Vou guardar esse texto como referência.

Borges San disse...

É, pois é. Isso é uma fatalidade nessa coisa de relacionamento. Existe uma hora que a pessoa não consegue mais não ser ela mesma, e aí isso dói. Cartinhas de desquite e de desabafo não vão salvar relacionamento algum. Sempre o 'eu' é mais importante que você. Isso dói mais, mas é imutável. Uma vez egoísta, egoísta sempre. Aliás, é um egoísmo querer consertar o inconsertável. Esse é o seu inimigo momentâneo. Lamentar isso é lamentar a vida que já começou e vai continuar até onde der. Fala alguém absolutamente racional.
Belo texto, entretanto.

Leslie Rebeca disse...

Camila, você é absolutamente sensível. Você desenhou com palavras os seus sentimentos e a sua angústia de viver. Fiquei muito feliz de ter lido o seu texto triste. Parabéns.

Livia Queiroz disse...

Caraaaaca.
Lindo isso!

A corrente no pescoço, impedindo de tudo, impedindo o ir e vir, o voltar, o tentar.
Por vezes me enrosco nela...

PERFEITO: "Muito amor, extremo amor... Fora dos limites."

ADOREIII

Nada do que eu disser vai conseguir expressar ao certo o beleza de seu texto...
Lindo.
Como sempre: Palavras mágicas

bj

Fred Matos disse...

Muito bom.
Beijos

Dois Rios disse...

Milla,

A dor amarra, calcina, pesa, trava. Mas a dor, ainda que tenha o poder de minar as forças, nos faz inteiros, maduros e mais sábios. Infelizmente é através dela que crescemos.

Beijo,
Inês

Raio de luz... disse...

Milla
Algumas vezes, andando na net, encontramos posts que dizem exatamente o que a gente queria dizer..

Gostei muito de tudo aqui.
beijo
Ju