sábado, 7 de novembro de 2009

E assim nos tornamos brasileiros.

Passei perto da ponte da saudade. Chamo ponte da saudade aquela em que a tia de um amigo escolheu para se despedir.
Num pulo ela se despediu. De olhos abertos ou fechados ela foi, e foi uma vez só. Não houve tempo de grito nem abafo. Nem um susto sequer.
Acordei em cólera. Acordei lembrando, e por ironia do destino - ou não - era o dia da minha prova prática de carro. Fui de carona com o meu pai.
Uma fila enorme de carros da auto-escola, e a ponte lá. Mas dessa vez, outra.
Havia, nesta ponte, uma vida. De repente duas. Três. Quatro, meu Deus!
As pessoas escolhem as pontes para quê? Para viver ou morrer? E por quê as pontes?
Seria isso uma busca?
Ora, usamos o termo "ponte" para muita coisa que no fundo significa esperança. A ligação de um lugar onde se está, para um lugar onde se quer ir.
Quando não falamos da forma mais banal, mencionamos Jesus como ponte entre nós, insignificantes mortais, e Deus.
Mas quando pensamos nisso, logo nos vem à mente atravessar a ponte. E aqueles que desistem no meio do caminho?
Temos, por fim, três escolhas: você atravessa, você desiste, ou você arruma um lugar no cantinho pra descançar e perder a viagem.
No mezanino desta ponte, roupas penduradas para secar. Havia geladeira, colchões. Havia vida. Havia vida?
Era uma moça que andava de um lado para o outro, gritando qualquer coisa. Enquanto o rapaz penteava o cabelo sem se olhar no espelho,
bolava um cigarro de maconha e saía fumando em direção ao supermercado com um carrinho de mão, cheio de badulaques.
E o povo assistindo.
Havia, sim, muita gente. Pessoas que evitavam olhar enquanto a mulher gritava. Ela gritava pro seu cachorro, descobri.
Mandava-o voltar pra "casa".
Uma mulher, um homem e dois cachorros. Nenhuma parede.
E a cena não me fazia o menor sentido, não me cabia na cabeça.
"Pai, e quando chover? Pai, e no frio?" A sorte é não haver criança que perguntasse isso aos próprios moradores da ponte, numa forte chuva, encolhido num cobertor fino:
"Pai, estou com medo do trovão"
Havia bem acima da cabeça daquela família, palavras pintadas e rabicadas, e dentre todas uma única palavra me fez, enfim, todo sentido: Luto.
Estavam enterrados debaixo de uma ponte, de modo quase invisivel e esquecido... Talvez mais invisível e esquecido do que a mulher que se jogou da ponte da saudade.
Amanheci, mais uma vez, de luto.


"Pela ordem - e alguma seriedade -
Luto por um país lindo,
Mas sem vergonha de
rir - quando deveria chorar,
relaxar - quando poderia lutar"

10 comentários:

Mi disse...

vc sempre com a sua linda e perfeita sensibilidade...*-*
bjo bjo

Alessa disse...

Belas palavras usadas em hamornia para o seu texto. Adorei. Estou contigo no luto por um país melhor e com mais recursos ou o direito dos mesmos. Beijos bom fim de semana.

Wander Veroni Maia disse...

Olá! Crônica muito bem fewita e reflexiva, parabéns. Adorei a metáfora com a ponte e a história da ponte da saudade.

Abraço

Unknown disse...

Lindo, sublime e mt emocionante!! mais uma vez parabéns pelo blog, é mt bom ler um texto reflexivo assim :)
Abraço do amigo Érico
http://twitter.com/ericocinemeiro

M. Vieira disse...

O seu texto daria uma bela metáfora... Só não consegui pensar nela ainda...

Unknown disse...

Nunca sabemos do destino daquele que nos rodeio, seja alguem proximo ou remoto... por isso msm nosso pais deveria pensar um pouco mais naqueles que o integra...
Gostei mto do seu blog, gostaria inclusive de ser parceiro...

Visite-me depois e siga se desejar www.miltoxi.blogspot.com

Bru Leal disse...

Sensibilidade a flor da pele, lindo texto, como todos são, só precisa produzir mais Mila, nem vem falar q eh fim de semestre uhahaha.
Bjão!

Paula Maximiano. disse...

Você escreve originalmente bem. Parabéns, continue assim.

Anônimo disse...

Sempre disse que eras um filósofa escondida.
Cada dia te revelas mais como filósofa.
Beijos!
Izabel

Lys disse...

Esse texto deveria ser escrito em todos os muros das cidades... Pra que todo mundo se lembre que não estamos sós e que todos nós deveriamos cuidar uns dos outros. Maravilhosa vc! ♥