sábado, 31 de outubro de 2009

Sábado de sol...


As portas se abriram devagar, quase que automaticamente, para que eu pudesse sair.
Um sorriso logo depois da porta de vidro me apresentava o caminho a percorrer. Fui correndo para o ponto de ônibus, ansiosa com sei-lá-o-quê. Eu queria era pensar.
Entrei no ônibus quase que em câmera lenta e percebi que algumas pessoas que estavam sentadas me olhavam nos olhos ao me ver entrar...
Já olhou nos olhos de alguém querendo lhe conhecer a alma? Parecia que todos me olhavam assim, e eu os olhava assim de volta.
Ando desnuda, respirando o meu próprio ar. Ando sem corpo...
É assim que se sente, quando sente-se livre?
Alguns sentimentos simplesmente não tem nome, palavras são pouco demais perto de certos significados.
As palavras alcançam muito, sim. Mas muito ainda não é tudo, e nem além disso.
Sentei-me, e fiquei ali por um tempo, ouvindo música, esperando os quilômetros passarem.
E de alguma forma, minha visão panorâmica parou por alguns segundos: uma senhora se levantou para descer no seu ponto e segurou-se no banco para não cair.
Sua mão, grande e larga, estampou-se a minha frente. Uma mão forte, de quem trabalhou uma vida inteira e, acostumada com isso, recusa-se a descançar em pleno 70 anos de idade.
Olhei mais acima para que pudesse enxergar-lhe a alma, como havia já feito com algumas pessoas daquele ônibus.
E eu a enxerguei. Ela toda era forte, e viva, e era triste. Olhei-a como se quisesse muito dizer-lhe alguma coisa. O quê? Que diminuisse a sua tristeza.
Ela, vendo que eu a olhava, me olhou de volta e sorriu, como se tivesse entendido o que eu queria lhe dizer. Entende?
Ando sim, desnuda. E todos, como a mim, para mim desnudos.
E como eu fiquei grata àquele sorriso, e como parecia ela grata à minha compaixão.

sábado, 3 de outubro de 2009

Ascenção

Escrevi um texto um tanto quanto surreal... De qualquer forma, espero que entendam, pois como diria Clarisse: "a palavra é a minha quarta dimensão"...

De repente, os olhos dela se abriram de modo que o céu além das estrelas poderia ser visto, como um túnel levando ao infinito.
Sentiu suas mãos retomando os movimentos e numa vibração única de energia alçou vôo... O vento lhe acariciava os poros da pele à proporção que seu corpo se elevava, indo na direção do inalcançável e da perfeição...
Pôde ver a sua própria casa a metros de altura... Viu seu bairro e os movimentos sutis dos que descansavam sob a sombra das árvores. E deixou que sua inconsciência a levasse para o melhor lugar que sua mente poderia imaginar.
Atravessou oceanos, passando rasante pela pele dos golfinhos que deixavam a profundidade do mar a brincar de serem livres como as aves... E pelo mesmo oceano, desviou dos mergulhos violentos dos pássaros que invadiam o mar em busca do seu alimento.
Passou por cima de grandes navios de carga e descarga, descarregando naquele mar rios de combustível... E caçando a bel prazer os mais belos e incríveis peixes que, ao fundo, faziam do mar um arco-íris.
Perfurou nuvens, as mais suaves e densas, quase sólidas... E percebeu que não eram feitas de algodão, mas pura energia, e uma mistura dos dois mais opostos elementos: ar e água. E viu que essa mistura de ar, água e energia, numa parte divertia crianças e sonhadores que deitavam na grama a adivinhar o que cada nuvem lhe parecia. N’outra vinham-lhes como salvação de uma tribo de caras-pálidas que colocavam seus joelhos a rezar toda noite em busca de alimento para seus filhos.
E acompanhou trajetórias de alguns aviões, uns grandes outros pequenos, observando olhos de admiração, sonhos, medos, enjôos, ânimos, choros, sorrisos, desânimos, vida e morte...
E seguiu a sua rota, procurando os mais elevados montes para que descansasse um pouco da sua tão ampla visão, cheia de 360 graus. Viu a exata divisão de noite e dia, e a sombra que a Terra projetava na lua... E desceu...
Desceu...
Desceu...
Em algum lugar desse mundo ela desceu, encostando primeiro a ponta dos pés, depois os calcanhares, no mais alto penhasco que seus olhos puderam encontrar.
A visão era maravilhosa... Era a própria respiração da Terra fazendo-se física. Árvores em variados tons... Cascatas, lacrimejando suas gotas por todos os lados... Flores transformando-se em cores... Raios de sol a chicotear os picos congelados dos montes...
Abriu os braços e agradeceu por ter tal oportunidade de apreciar tanta beleza num só lugar onde tanta gente acredita fielmente que não haja mais espaço pra se criar.

Fechou os olhos e descobriu-se ainda em casa, na frente do espelho, com os olhos aparentemente abertos.

Ela sorriu... Estava de volta, a desbravar o próprio mundo...