As portas se abriram devagar, quase que automaticamente, para que eu pudesse sair.
Um sorriso logo depois da porta de vidro me apresentava o caminho a percorrer. Fui correndo para o ponto de ônibus, ansiosa com sei-lá-o-quê. Eu queria era pensar.
Entrei no ônibus quase que em câmera lenta e percebi que algumas pessoas que estavam sentadas me olhavam nos olhos ao me ver entrar...
Já olhou nos olhos de alguém querendo lhe conhecer a alma? Parecia que todos me olhavam assim, e eu os olhava assim de volta.
Ando desnuda, respirando o meu próprio ar. Ando sem corpo...
É assim que se sente, quando sente-se livre?
Alguns sentimentos simplesmente não tem nome, palavras são pouco demais perto de certos significados.
As palavras alcançam muito, sim. Mas muito ainda não é tudo, e nem além disso.
Sentei-me, e fiquei ali por um tempo, ouvindo música, esperando os quilômetros passarem.
E de alguma forma, minha visão panorâmica parou por alguns segundos: uma senhora se levantou para descer no seu ponto e segurou-se no banco para não cair.
Sua mão, grande e larga, estampou-se a minha frente. Uma mão forte, de quem trabalhou uma vida inteira e, acostumada com isso, recusa-se a descançar em pleno 70 anos de idade.
Olhei mais acima para que pudesse enxergar-lhe a alma, como havia já feito com algumas pessoas daquele ônibus.
E eu a enxerguei. Ela toda era forte, e viva, e era triste. Olhei-a como se quisesse muito dizer-lhe alguma coisa. O quê? Que diminuisse a sua tristeza.
Ela, vendo que eu a olhava, me olhou de volta e sorriu, como se tivesse entendido o que eu queria lhe dizer. Entende?
Ando sim, desnuda. E todos, como a mim, para mim desnudos.
E como eu fiquei grata àquele sorriso, e como parecia ela grata à minha compaixão.