quinta-feira, 19 de novembro de 2009



Fragmentos
(Há alguns anos...)

sábado, 7 de novembro de 2009

E assim nos tornamos brasileiros.

Passei perto da ponte da saudade. Chamo ponte da saudade aquela em que a tia de um amigo escolheu para se despedir.
Num pulo ela se despediu. De olhos abertos ou fechados ela foi, e foi uma vez só. Não houve tempo de grito nem abafo. Nem um susto sequer.
Acordei em cólera. Acordei lembrando, e por ironia do destino - ou não - era o dia da minha prova prática de carro. Fui de carona com o meu pai.
Uma fila enorme de carros da auto-escola, e a ponte lá. Mas dessa vez, outra.
Havia, nesta ponte, uma vida. De repente duas. Três. Quatro, meu Deus!
As pessoas escolhem as pontes para quê? Para viver ou morrer? E por quê as pontes?
Seria isso uma busca?
Ora, usamos o termo "ponte" para muita coisa que no fundo significa esperança. A ligação de um lugar onde se está, para um lugar onde se quer ir.
Quando não falamos da forma mais banal, mencionamos Jesus como ponte entre nós, insignificantes mortais, e Deus.
Mas quando pensamos nisso, logo nos vem à mente atravessar a ponte. E aqueles que desistem no meio do caminho?
Temos, por fim, três escolhas: você atravessa, você desiste, ou você arruma um lugar no cantinho pra descançar e perder a viagem.
No mezanino desta ponte, roupas penduradas para secar. Havia geladeira, colchões. Havia vida. Havia vida?
Era uma moça que andava de um lado para o outro, gritando qualquer coisa. Enquanto o rapaz penteava o cabelo sem se olhar no espelho,
bolava um cigarro de maconha e saía fumando em direção ao supermercado com um carrinho de mão, cheio de badulaques.
E o povo assistindo.
Havia, sim, muita gente. Pessoas que evitavam olhar enquanto a mulher gritava. Ela gritava pro seu cachorro, descobri.
Mandava-o voltar pra "casa".
Uma mulher, um homem e dois cachorros. Nenhuma parede.
E a cena não me fazia o menor sentido, não me cabia na cabeça.
"Pai, e quando chover? Pai, e no frio?" A sorte é não haver criança que perguntasse isso aos próprios moradores da ponte, numa forte chuva, encolhido num cobertor fino:
"Pai, estou com medo do trovão"
Havia bem acima da cabeça daquela família, palavras pintadas e rabicadas, e dentre todas uma única palavra me fez, enfim, todo sentido: Luto.
Estavam enterrados debaixo de uma ponte, de modo quase invisivel e esquecido... Talvez mais invisível e esquecido do que a mulher que se jogou da ponte da saudade.
Amanheci, mais uma vez, de luto.


"Pela ordem - e alguma seriedade -
Luto por um país lindo,
Mas sem vergonha de
rir - quando deveria chorar,
relaxar - quando poderia lutar"